Projecto
Talvez não seja exagerado afirmar-se que o faraó Tutankhamon está entre os faraós mais conhecidos pelos não especialistas em Egiptologia, pelo público em geral. Talvez possa mesmo afirmar-se que é de todos o mais conhecido. No entanto, esse alargado conhecimento não se baseia em actos governativos excepcionais ou de profundo alcance para a história do Egipto da sua época, dignos de registo, transmitidos de geração em geração.
De facto, tendo subido ao trono ainda criança (talvez com 8 anos) e morrido ainda antes de chegar aos 20 anos, a criança-jovem que governou o Egipto no século XIV a.C. durante cerca de 10 anos (1333-1323 a.C.), é conhecido essencialmente pela excepcional descoberta do seu túmulo (KV 62), no Vale dos Reis, com os selos intactos, cerca de 3000 anos depois da sua morte, às mãos de Howard Carter (1874-1939) e do seu financiador, George Edward, o 5º Conde de Carnarvon, vulgarmente conhecido como Lord Carnarvon[1].
A sensacional descoberta da manhã daquele sábado, a 4 de Novembro de 1922, (uma escada de pedra com 15 degraus), a abertura oficial do túmulo na presença de Lord Carnarvon e de sua filha Lady Evelyn Herbert, a 29 de Novembro, e os dez anos que se lhe sucederam de escavação das quatro pequenas salas, que trouxeram à luz do dia milhares de artefactos (mais de 5000), a esmagadora maioria hoje exposta em várias salas do 1º andar do Museu Egípcio do Cairo (Reeves 2000, 160-6), foram noticiadas pela imprensa internacional de todo o mundo, de forma inusitada e sem precedentes, tornando o nome do praticamente incógnito 12º faraó do Império Novo e o 7º a ser enterrado no Vale e os dos principais intervenientes nessa “maravilhosa descoberta no Vale”[2] sobejamente conhecidos de milhões de leitores.
Ironicamente, portanto, por força da extensa cobertura da imprensa, um dos menos conhecidos faraós do Império Novo e Howard Carter, um arqueólogo sem créditos firmados, passaram, literalmente de um dia para o outro, da obscuridade para as páginas dos jornais, tornando-se ambos sinónimos apontados e reconhecidos para “faraó” e “arqueólogo”. As histórias transmitidas pelos jornais captaram a atenção e a imaginação dos mais variados públicos e moldaram indelevelmente a sua percepção da antiga história egípcia, da glorificação do faraonato e do prestígio da arqueologia científica.
Que reflexo houve na imprensa portuguesa dessa descoberta e da consequente abertura do túmulo de Tutankhamon? Que descrição é feita dos extraordinários artefactos encontrados nas várias câmaras do seu túmulo? Que temas ou aspectos foram salientados nas notícias e nos comentários dos jornais e das revistas portuguesas dos anos 20 e 30 do século XX? Que tipo de relatos é apresentado sobre a vida, a família e a morte do jovem faraó? Que tratamentos são dados à actividade de escavação de Howard Carter, à sua morte e à morte de Lord Carnarvon? Se as houve, que fotografias e ilustrações foram disponibilizadas pelas publicações nacionais ao leitor português?
Conduzidos por uma forte curiosidade intelectual de responder sustentadamente a estas perguntas e orientados essencialmente pela lógica da problemática dos estudos da recepção do antigo Egipto, encetámos uma investigação aprofundada.
O nosso projecto não incide, portanto, sobre as temáticas artísticas ou literárias vulgarmente associadas aos estudos da recepção, mas sim sobre um tipo de fontes muito específico, de enorme importância e significado no mundo contemporâneo de inícios do século XX: a imprensa escrita.
Definimos como balizas cronológicas da nossa pesquisa na imprensa portuguesa os anos de 1922 e de 1939. A primeira data, o momento terminus ante quem, decorre, obviamente, do momento específico da descoberta e início da escavação do túmulo de Tutankhamon (objectivamente a partir de 4 de Novembro) e da consequente disseminação da informação. A segunda data, terminus ad quem, assinala, simultaneamente, o ano da morte de Howard Carter e da descoberta de outros túmulos intactos – em Tânis, no Delta ocidental – pelo arqueólogo francês Pierre Montet.
Interessa ainda referir que no decorrer da Investigação foram surgindo dados e informações de âmbitos diversos que conduziram à necessidade de desenvolver trabalhos de investigação paralelos/ complementares, numa lógica de interdisciplinaridade, que contribuem para desenvolver a amplitude do Projecto e as suas áreas de aplicação. São disso exemplo a investigação realizada, no âmbito dos Estudos da História da Comunicação, sobre as agências de notícias em Portugal/portuguesas; a investigação realizada sobre Humberto Pinto de Lima (1902-1984) e a primeira tradução para Português do Grande Hino a Aton; a pesquisa sobre o desconhecido escritor português Fernando Val do Rio de Carvalho Henriques (1897-1962) e a sua obra pioneira “A Profecia ou O Mistério da Morte de Tut-Ank-Amon” (1924); a análise da obra A Rainha Taia de Maurice de Waleffe (1874-1946) publicada pelo Diário de Notícias; e ainda a análise aos textos que Abel Salazar (1889-1946) produziu sobre ou inspirado pela civilização do antigo Egipto.
Para acompanhar o desenvolvimento do Projecto nas suas diversas vertentes, aconselhamos a consulta às publicações dele resultantes e às participações em eventos científicos. No separador "O Corpus" disponibilizamos o acesso ao material reunido e uma breve análise ao mesmo.
[1] De seu nome completo, George
Edward Stanhope Molyneux Herbert, nasceu a 26 de junho de 1866 e faleceu cerca
de 6 meses depois da abertura do túmulo de Tutankhamon, a 5 de Abril de 1923,
em resultado da infecção de uma picada de mosquito.
[2] A expressão é retirada do telegrama que Howard Carter enviou a Lord Carnarvon dando-lhe conta da descoberta: «At last we have made a wonderful discovery in the valley, a magnificent tomb with seals intact, recovered and waiting for your arrival. Congratulations.» (Reeves 2000,160; Hawass 2006, 107)
© Projecto "Tutankhamon em Portugal. Relatos na imprensa portuguesa (1922-1939)"